Antropologia jurídica no ensino do direito: caráter ambivalente da juridicização e teoria do multijuridismo através do caso concreto da Lei brasileira da biodiversidade
(Legal anthropology in law teaching: Ambivalent character of juridicization and the theory of multijuridism through the concrete case of the Brazilian Biodiversity Act)
Keywords:
legal anthropology, interculturality, curricula of law courses, Brazilian Biodiversity Act, juridicization, Antropologia jurídica, interculturalidade, currículo cursos de direito, Lei brasileira da biodiversidade, juridicizaçãoAbstract
Não obstante a importância da antropologia jurídica para a discussão do direito, a disciplina consta em apenas pequena parte das grades curriculares dos cursos, a nível global. Por isso, o objetivo é valer-se de um caso concreto, que facilmente atinja acadêmicos em seus diferentes níveis de formação, para colocar em evidência, de forma exemplificativa, a fundamentalidade da promoção dessa disciplina nos currículos dos futuros operadores do direito. O caso eleito é a Lei brasileira de acesso ao patrimônio genético e aos conhecimentos tradicionais associados (Lei da Biodiversidade). Ao analisar os aspectos considerados como questionáveis da norma, o artigo sublinha o fato de que ela constitui um exemplo concreto do caráter ambivalente do processo de juridicização e, em consequência, da importância da antropologia jurídica para identificá-lo. Como o artigo não apenas discute a importância desta última nos currículos, mas também ele próprio é desenvolvido à luz dela, inicialmente parte-se de como foi o processo que conduziu a que a antropologia contribuísse à discussão do direito. Em segundo lugar, os aspectos controversos da lei são trazidos. Na sequência, dois autores da disciplina são mobilizados: primeiramente, o Professor de antropologia jurídica da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Orlando Villas Bôas Filho, sobre o fato de que, não raras vezes - e como exemplificado no caso concreto -, o processo de juridicização pode acabar por atender interesses contrários aos dos povos indígenas. Isto feito, mobiliza-se o autor francês do Laboratório de Antropologia Jurídica de Paris (LAJP) Étienne Le Roy e sua Teoria do Multijuridismo, estabelecendo-se relações entre ela e o caso concreto eleito, em diálogo com intelectuais/líderes indígenas. A metodologia seguida foi a sistêmica e a técnica de pesquisa baseou-se na revisão bibliográfica e interpretação de normas legais e decretos regulamentares.
Despite the importance of legal anthropology for the discussion of law, the discipline appears in only a small part of the course curricula, globally. Therefore, the objective is to use a concrete case, which easily reaches academics at their different levels of training, to highlight, in an exemplifying way, the fundamentality of promoting this discipline in the curricula of future legal professionals. The chosen case is the Brazilian Act on access to genetic heritage and associated traditional knowledge (Biodiversity Act). By analysing the aspects considered as questionable of the norm, the article highlights the fact that it constitutes a concrete example of the ambivalent nature of the juridicization process and, consequently, the importance of legal anthropology to identify it. As the article not only discusses the importance of the latter in curricula, but is itself also developed in light of it, it initially starts with how the process was that led anthropology to contribute to the discussion of law. Secondly, the controversial aspects of the Act are brought to the fore. Following this, two authors of the discipline are mobilized: firstly, the Professor of legal anthropology at the Faculty of Law of the University of São Paulo (USP) Orlando Villas Bôas Filho, on the fact that, not infrequently - and as exemplified in the concrete case -, the juridicization process may end up serving interests contrary to those of indigenous peoples. This done, the French author from the Laboratory of Legal Anthropology of Paris (LAJP) Étienne Le Roy and his Theory of Multijuridism are mobilized, establishing relationships between it and the concrete case chosen, in dialogue with indigenous intellectuals/leaders. The methodology followed was systemic and the research technique was based on literature review and interpretation of legal norms and regulatory decrees.
Downloads
Downloads:
14(1)_Von_Harbach_Ferenczy_et_al_SZ 118
References
Alliot, M., 1983. Anthropologie et juristique. Sur les conditions de l’élaboration d'une science du droit. Bulletin de liaison du LAJP [online], 6, 83–117. Disponível em: http://www.dhdi.free.fr/recherches/theoriedroit/articles/alliotanthropetjur.pdf
Caldas, A., 2004. La regulación jurídica del conocimiento tradicional: la conquista de los saberes. Trad.: L. Ariza. Bogotá: Instituto Latinoamericano de Servicios Legales Alternativos (ILSA).
Commaille, J., 2023. L’esprit politique des savoirs. Le droit, la société, la nature: une mise en perspective. Paris: Éditions de la Maison des sciences de l’homme.
Coordenação e revisão do Ministério Público Federal, 2014. Nota Técnica: Objeto - Projeto de Lei n. 7.735/2014 [online]. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1277505&filename=Tramitacao-PL%207735/2014
Eberhard, C., 2002. Para uma teoria jurídica intercultural: o desafio dialógico. Direito e democracia, 3(2), 489–530.
Eberhard, C., 2010. Le Droit au miroir des cultures. Pour une autre mondialisation. Paris: LGDJ.
Ferenczy, M.A.V.H., 2022. Paradigma andino no Pluriverso: sementes para os caminhos da biodiversidade e dos conhecimentos rivais no direito ambiental internacional [online]. Ph.D. Thesis. Cotutelle between Universidade de São Paulo (USP) and Università Degli Studi di Ferrara (UniFe/Italia). Disponível em: https://doi.org/10.11606/T.84.2023.tde-10052023-124045
Ferenczy, M.A.V.H., e Barreto, N.L., 2016. Regulamentação ética do novo marco legal da biodiversidade: re-pensando o termo consentimento prévio informado previsto na lei em busca do consentimento livre e esclarecido. Em: A.H. Benjamin, ed., Jurisprudência, ética e justiça ambiental no século XXI. São Paulo: Instituto o Direito por um Planeta Verde/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.
Flórez Alonso, M., 1998. Regulaciones, espacios, actores y dilemas en el tratamiento de la diversidad biológica y cultural. Em: Instituto Latinoamericano de Servicios Legales Alternativoss (ILSA) et al., eds., Diversidad Biológica y cultural – retos y propuestas desde América Latina. Bogotá: ILSA, pp. 29–44.
Koch, I., 2018. Turning Human Beings into Lawyers’: Why Anthropology Matters So Little to the Legal Curriculum. Journal of Legal Anthropology [online], 2(2), 99–104. Disponível em: https://doi.org/10.3167/jla.2018.020210
Kopenawa, D., e Albert, B., 2015. A queda do céu: palavras de um xamã yanomami [online]. São Paulo: Schwarcz. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4886744/mod_resource/content/1/A_QUEDA_DO_CEU.pdf
Kothari, A., et al., eds., 2019. Pluriverso – un diccionario del posdesarrollo [online]. Barcelona: Icaria. Disponível em: https://icariaeditorial.com/ashish-kothari/10-pluriverso-un-diccionario-del-posdesarrollo.html
Krenak, A., 2020. O amanhã não está à venda. São Paulo: Companhia das Letras.
Le Roy, É., 1998. L’hypothèse du multijuridisme dans un contexte de sortie de la modernité. Em : A. Lajoie et al., eds., Théories et émergence du droit: pluralisme, surdétermination et effectivité. Bruxelas: Thémis/Bruylant, pp. 29–43.
Le Roy, É., 1999. Le jeu des lois: une anthropologie “dynamique” du Droit: avec des consignes et des conseils au “jeune joueur juriste”. Paris: LGDJ.
Le Roy, É., 2004. Pour une anthropologie de la juridicité. Em: É. Le Roy, ed., Anthropologie et droit: intersections et confrontations. Paris: Karthala, pp. 241–247. (Cahiers d’Anthropologie du Droit.)
Le Roy, É., 2013. Place de la juridicité dans la médiation. Jurisprudence – Revue Critique, n. 4 (La médiation. Entre renouvellement de l’offre de justice et droit), pp. 193–208.
Le Roy, É., 2017. Une juridicité plurielle pour le XXe siècle. Saarbrücken: Éditions Universitaires Européennes.
Leite, J.R.M., 2017. Introduction. Em: E. Moreira, N. Miyasaka Porro e L. Silva, eds., A “nova” Lei n. 13.123/2015 no velho Marco Legal da Biodiversidade: entre retrocessos e violações de direitos socioambientais [online]. São Paulo: IDPV, 27–31. Disponível em: http://www.planetaverde.org/arquivos/biblioteca/arquivo_20170303100927_2758.pdf
Malinowski, B., 2003 Crime e costume na sociedade selvagem. Trad.: M.C. Corrêa Dias. Brasília: Editora Universidade de Brasília/São Paulo: Imprensa oficial do Estado.
Martins, T., e Almeida, N.T., 2017a. Previsões de isenções em razão do “acessante”. Em: E. Moreira, N. Miyasaka Porro and L. Silva, eds., A “nova” Lei n. 13.123/2015 no velho Marco Legal da e: entre retrocessos e violações de direitos socioambientais [online]. São Paulo: IDPV, 162–163. Disponível em: http://www.planetaverde.org/arquivos/biblioteca/arquivo_20170303100927_2758.pdf
Martins, T., e Almeida, N.T., 2017b. Violação ao direito à repartição justa e equitativa de benefícios. Em: E. Moreira, N. Miyasaka Porro e L. Silva, eds., A “nova” Lei n. 13.123/2015 no velho Marco Legal da Biodiversidade: entre retrocessos e violações de direitos socioambientais [online]. São Paulo: IDPV, 137–145. Disponível em: http://www.planetaverde.org/arquivos/biblioteca/arquivo_20170303100927_2758.pdf
Monteiro, I.A.P., Leite, V.L.M., e Araújo, B.F., 2017. Violação do direito ao consentimento livre, prévio e fundamentado na lei nº 13.123/2015. Em: E. Moreira, N. Miyasaka Porro e L. Silva, eds., A “nova” Lei n. 13.123/2015 no velho Marco Legal da Biodiversidade: entre retrocessos e violações de direitos socioambientais [online]. São Paulo: IDPV, 126–136. Disponível em: http://www.planetaverde.org/arquivos/biblioteca/arquivo_20170303100927_2758.pdf
Moreira, E., Miyasaka Porro, N., e Silva, L., eds., 2017. A “nova” Lei n. 13.123/2015 no velho Marco Legal da Biodiversidade: entre retrocessos e violações de direitos socioambientais [online]. São Paulo: IDPV. Disponível em: http://www.planetaverde.org/arquivos/biblioteca/arquivo_20170303100927_2758.pdf
Muelas Hurtado, L., 1998. Acceso a los recursos de la biodiversidade y pueblos indígenas. Em: Instituto Latinoamericano de Servicios Legales Alternativoss (ILSA) et al., eds., Diversidad Biológica y cultural – retos y propuestas desde América Latina. Bogotá: ILSA, 29–44.
Recomendação Ministério Público Federal n. 94/2015. Referência IC n. 1.16.000.001457/2015-19 (PR-DF-00033196/2015).
Santilli, J., 2004. Conhecimento tradicional associado à biodiversidade: elementos para a construção de um regime jurídico sui generis de proteção. Em: A.F. Platiau e M. Varella, eds., Diversidade biológica e conhecimentos tradicionais. Belo Horizonte: Del Rey, 341–369.
Santilli, J., 2015. Biodiversidade e conhecimentos tradicionais associados: o novo regime jurídico de proteção. Revista de Direito Ambiental, 20(80), 259–285.
Silva, L.A.L., e Dallagnol, A.H., 2017. Violação do direito à consulta prévia no processo de elaboração da lei: vício congênito. Em: E. Moreira, N. Miyasaka Porro e L. Silva, eds., A “nova” Lei n. 13.123/2015 no velho Marco Legal da Biodiversidade: entre retrocessos e violações de direitos socioambientais [online]. São Paulo: IDPV, 117–125, Disponível em: http://www.planetaverde.org/arquivos/biblioteca/arquivo_20170303100927_2758.pdf
Villas Bôas Filho, O., 2007. A constituição do campo de análise e pesquisa da antropologia jurídica. Prisma Jurídico [online], 6, 33–349. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/934/93400620.pdf
Villas Bôas Filho, O., 2014. Juridicidade: uma abordagem crítica à monolatria jurídica como obstáculo epistemológico. Revista da Faculdade de Direito da USP [online], vol. 109, 281–325. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/89235
Villas Bôas Filho, O., 2015. A regulação jurídica para além de sua forma ocidental de expressão: uma abordagem a partir de Étienne Le Roy. Revista Direito e Práxis, 6(12), 159–195.
Villas Bôas Filho, O., 2016. A juridicização e o campo indigenista no Brasil: uma abordagem interdisciplinar. Revista da Faculdade de Direito da USP [online], 111, 339–379. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/133516
Villas Bôas Filho, O., 2017. A mediação em um campo de análise interdisciplinar: o aporte da teoria do multijuridismo de Étienne Le Roy. Revista Estudos Institucionais [online], 3(2), 1112–1162. Disponível em: https://doi.org/10.21783/rei.v3i2.205
Villas Bôas Filho, O., 2018. A análise antropológica no âmbito dos estudos sociojurídicos: aportes para a construção de um campo interdisciplinar. Revista Pensamento Jurídico [online], 12(2), 9–38. Disponível em: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/Rev-Pensamento-Jur_v.12_n.2.01.pdf
Villas Bôas Filho, O., 2019. Desafios da pesquisa interdisciplinar: as ciências sociais como instrumentos de “vigilância epistemológica” no campo dos estudos sociojurídicos. Revista Estudos Institucionais [online], 5(2), 530–558. Disponível em: https://doi.org/10.21783/rei.v5i1.301
Villas Bôas Filho, O., 2021. Bronislaw Malinowski e Alfred R. Radcliffe-Brown: duas concepções paradigmáticas da antropologia jurídica. Revista Direito Mackenzie [online], 15(3), 1–16. Disponível em: https://editorarevistas.mackenzie.br/index.php/rmd/article/view/15054
Wainer, A.H., 1993. Legislação ambiental brasileira : evolução histórica do direito ambiental. Revista de informação legislativa, 30(118), 191–206.
Downloads
Published
How to Cite
Issue
Section
License
Copyright (c) 2024 Marina Andrea von Harbach Ferenczy, Vivian Grace Fernández-Dávila Urquidi
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License.
Sortuz: Oñati Journal of Emergent Socio-Legal Studies provides immediate open access to all its content on the principle that making research freely available to the public supports a greater global exchange of knowledge.
All articles are published under a Creative Commons Attribution 4.0 International License.
Copyright and publishing rights are held by the authors of the articles. We do, however, kindly ask for later publications to indicate Sortuz as the original source.